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Nossa Senhora de Fátima – as visões do Anjo

Antes das aparições de Nossa Senhora na Cova da Iria em 1917, Lúcia, Francisco e Jacinta tiveram no ano anterior três visões do Anjo de Portugal.

Essas aparições só se tornaram conhecidas quando Lúcia escreveu a respeito, em 1937.

O Anjo da Paz

Entre junho e agosto de 1916, Lúcia e seus priminhos Francisco e Jacinta conduziam suas ovelhinhas como de costume, até que, num dia de muito calor, foram ter a um lugar chamado Chousa Velha, um pouco a oeste de Aljustrel, no meio de um olival.

Estavam os pastorinhos a brincar quando subitamente o céu se escureceu e se espalhou uma névoa espessa. Lembraram-se então da Loca do Cabeço, perto de onde o rebanho pastava. A toda pressa, abrigaram as ovelhas debaixo de uma árvore frondosa e correram ladeira acima a refugiar-se naquela cavidade. Era o que de melhor havia por ali, e os três continuaram a brincar.

Passado um tempo, os pastorinhos merendaram, rezaram o terço e mal terminaram de rezar, a chuva cessou e o sol voltou a brilhar. Os três começaram a divertir-se atirando pedras para o fundo do vale.

De repente levantou-se um vento, um vento estranho; olharam espantados as árvores agitadas e deram com um clarão, vindo do nascente, que se aproximava cada vez mais forte, cada vez mais esplendoroso.

Lúcia reconheceu a alvura singular daquela "estátua de neve", transparente pelo sol, que um ano antes vislumbrara com outras meninas ("Parecia uma pessoa embrulhada num lençol").

Mas desta vez a luz aproximou-se tanto que, ao chegar à pedra da entrada da loca, puderam distinguir a forma de "um jovem dos seus catorze a quinze anos, mais branco que se fora de neve, que o sol tornava transparente como se fora de cristal", descreve Lúcia. Podiam ver agora perfeitamente os traços de um rosto humano de indescritível beleza. Estupefatos, emudecidos, contemplavam-no paralisados.

1ª aparição do Anjo em Fátima (reprodução de filme)

1ª aparição do Anjo em Fátima (reprodução de filme)

«Não temais. Sou o Anjo da Paz. Orai comigo!»

Ajoelhou em terra e curvou a fronte até o chão. Os pastorinhos imitaram-no e repetiram as suas palavras:

«Meu Deus, eu creio, adoro, espero e Vos amo. Peço-Vos perdão para os que não crêem, não adoram, não esperam e não Vos amam.»

Mais duas vezes o Anjo pronunciou aquela oração e depois recomendou-lhes:

«Orai assim. Os corações de Jesus e Maria estão atentos às vossas súplicas.»

Então desapareceu.

A oração gravou-se de tal forma na mente de Lúcia e Jacinta (Francisco não chegara a ouvi-la) que nunca mais a esqueceram e, a partir desse instante, a repetiam muitas vezes por longo tempo, até caírem de cansaço.

Depois da aparição, os três sentiam-se fracos e aturdidos. Aos poucos, foram-se refazendo e começaram a reunir o rebanho, pois entardecia. Ao longo do caminho de volta para Aljustrel, nenhum deles tinha vontade de falar. Lá se iam calados, silenciosos, pensativos...

Era o aviso do Céu que escolhera aqueles corações pequeninos para coisas grandes.

Anjo-de-Portugal-1a-aparicao

Marco da 1ª visita do Anjo em Fátima

Sacrifícios e orações pelos pecadores

A segunda visita do Anjo se deu semanas depois. As crianças foram passar em casa as horas mais quentes do dia e brincavam junto do poço, quando, subitamente, viram junto deles a mesma figura.

«Que fazeis? Orai, orai muito. Os corações santíssimos de Jesus e Maria têm sobre vós desígnios de misericórdia. Oferecei constantemente, ao Altíssimo, orações e sacrifícios.»
      - Como nos havemos de sacrificar?, perguntou Lúcia.
«De tudo o que puderdes, oferecei a Deus sacrifício em ato de reparação pelos pecados com que Ele é ofendido e de súplica pela conversão dos pecadores. Atraí assim, sobre a vossa pátria, a paz. Eu sou o Anjo da sua guarda, o Anjo de Portugal. Sobretudo, aceitai e suportai com submissão o sofrimento que o Senhor vos enviar.»
E desapareceu.


As crianças ficaram tolhidas de espanto e novamente permaneceram numa espécie de êxtase. Quando recuperaram o domínio de si, Francisco foi o primeiro a falar. Tinha visto o Anjo mas novamente não ouvira suas palavras. Somente no dia seguinte Lúcia pôde lhe contar o que havia dito o Anjo. Ainda se passou mais um dia para que conseguisse reunir as idéias e explicar, como podia, quem era o Altíssimo, e o que significava "os Corações de Jesus e Maria estão atentos às vossas súplicas".

Jacinta dizia ao irmão:

      - Tem cuidado, nestas coisas fala-se pouco. - E continuava - Quando falo no Anjo não sei o que me acontece; não posso falar, nem brincar, nem cantar... Não tenho forças para nada...
      - Nem eu também - dizia Francisco. - Mas que importa?... O Anjo é mais que tudo isso: pensemos nele!

Desde então, o menino pôs-se a refletir sobre o que o Anjo quisera dizer ao falar de sacrifícios e começou a rivalizar com a irmã e a prima na renúncia a pequenos prazeres e satisfações, em reparação pelos pecadores. Os três passavam horas e horas prostrados em terra a repetir sem cessar a oração que o Anjo lhes ensinara.

Reparações ao Santíssimo Sacramento

Passaram-se três meses. Estavam os pastorinhos novamente na gruta do Cabeço e, depois de rezarem o terço, como de costume, puseram-se a recitar juntos a oração.

Acabavam de repeti-la mais uma vez quando subitamente a mesma luz cristalina brilhou novamente sobre o vale e o Anjo tornou a aparecer-lhes: belo, resplandecente, deslumbrante, suspenso no ar. Trazia numa mão um Cálice e, sobre ele, com a outra mão, segurava uma Hóstia. Deixou-os suspensos no ar, prostrou-se por terra e disse:

«Santíssima Trindade, Pai, Filho e Espírito Santo, adoro-Vos profundamente e ofereço-Vos o preciosíssimo Corpo, Sangue, Alma e Divindade de Jesus Cristo, presente em todos os sacrários da terra, em reparação dos ultrajes, sacrilégios e indiferenças com que Ele mesmo é ofendido. E pelos méritos infinitos do Seu Santíssimo Coração e do Coração Imaculado de Maria, peço-Vos a conversão dos pobres pecadores.»

Repetiu três vezes essa oração com as crianças. Depois levantou-se, tomou novamente o Cálice e a Hóstia e deu a Comunhão a Lúcia, dando o Cálice a beber aos dois irmãozinhos, dizendo:

«Tomai e bebei o Corpo e o Sangue de Jesus Cristo horrivelmente ultrajado pelos homens ingratos. Reparai os seus crimes e consolai o vosso Deus.»

De novo em adoração, repetiu a súplica à Santíssima Trindade. E desvaneceu-se na luz do sol.

A sensação da presença de Deus nessa ocasião foi muitíssimo mais intensa e deixou-os tão exaustos que, dias depois, Francisco comentava:

      - Gosto muito de ver o Anjo; mas o pior é que, depois, não somos capazes de nada. Eu nem andar podia!

Isso tudo aconteceu quando Lúcia tinha nove anos, Francisco, oito, e Jacinta, seis. Nenhuma das crianças contou sobre a aparição do Anjo, nem em casa nem em parte alguma. Somente na Segunda Memória, escrita em 1937, é que Lúcia se refere incidentalmente ao Anjo da Paz, relato inesperado pelos 21 anos de ocultamento, e que causou grande surpresa.